POR MARK WEISBROT
Quando é considerado legítimo tentar derrubar um governo democraticamente eleito? Em Washington, a resposta sempre foi simples: quando o governo dos EUA diz que é. Não por acaso, esta não é a forma como os governos latino-americanos, em geral, encaram a questão.
No domingo, os governos do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela) divulgaram um comunicado sobre as manifestações da semana passada na Venezuela. Descreveram “os recentes atos de violência” na Venezuela como “tentativas de desestabilização da ordem democrática”. Eles deixaram bem claro de que lado estavam.
Declararam “seu firme compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e, neste contexto, rejeitam as ações criminosas de grupos violentos que querem espalhar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma ferramenta política”.
Podemos lembrar que quando manifestações muito maiores balançaram o Brasil no ano passado não houve declarações do Mercosul ou de governos vizinhos. Isso não é porque ninguém ama a presidente Dilma Rousseff, mas porque esses protestos não procuravam derrubar o governo democraticamente eleito do Brasil.
A administração Obama foi um pouco mais sutil, mas também deixou claro de que lado estava. Quando o secretário de Estado John Kerry afirma que “estamos particularmente alarmados com relatos de que o governo venezuelano mantém detidos dezenas de manifestantes antigoverno”, ele está tomando uma posição política. Na verdade, houve muitos manifestantes que cometeram crimes: atacaram e feriram policiais com pedaços de concreto e coquetéis molotov, queimaram carros, destruíram e às vezes incendiaram prédios do governo, entre outros atos de violência e vandalismo.
Um porta-voz anônimo do Departamento de Estado foi ainda mais claro na semana passada, quando expressou preocupação com o “enfraquecimento das instituições democráticas na Venezuela” e disse que havia a obrigação das “instituições governamentais responderem eficazmente à necessidades econômicas e sociais legítimas de seus cidadãos”. Ele uniu esforços com a oposição para deslegitimar o governo, uma parte vital de qualquer estratégia de “mudança de regime”.
Claro que todos nós sabemos quem o governo dos EUA apoia na Venezuela. Eles realmente não tentam esconder: há US$ 5 milhões no orçamento federal americano de 2014 para financiar as atividades da oposição dentro do país e isso é quase certamente a ponta do iceberg – somando-se as centenas de milhões de dólares de apoio explícito nos últimos 15 anos.
Mas o que torna importantes essas declarações atuais dos americanos e irrita os governos da região é que eles estão dizendo à oposição venezuelana que Washington está mais uma vez apoiando a mudança de regime. Kerry fez a mesma coisa em abril do ano passado, quando Maduro foi eleito presidente e o candidato da oposição Henrique Capriles afirmou que a eleição foi roubada. Kerry recusou-se a reconhecer os resultados das eleições. A postura antidemocrática agressiva de Kerry causou uma forte reação dos governos sul-americanos e ele foi forçado a mudar de curso e tacitamente reconhecer o governo Maduro. (Para quem não acompanhou esses eventos, não havia nenhuma dúvida sobre o resultado das eleições.)
O reconhecimento de Kerry dos resultados colocou um fim à tentativa da oposição de deslegitimar o governo eleito. Depois que o partido de Maduro venceu as eleições municipais por uma larga margem em dezembro, a oposição estava derrotada. A inflação estava em 56% e houve escassez generalizada de bens de consumo, mas uma sólida maioria ainda tinha votado no governo. Sua escolha não poderia ser atribuída ao carisma pessoal de Hugo Chávez, morto há quase um ano, e nem era irracional. Embora o ano passado tenha sido duro, os últimos 11 anos – desde que o governo passou a ter o controle sobre a indústria do petróleo – têm trazido ganhos nos padrões de vida para a maioria dos venezuelanos que eram previamente marginalizados e excluídos.
Havia muitas reclamações sobre o governo e a economia, mas os ricos e os políticos de direita da oposição não refletem os valores do povo e nem inspiram confiança.
O líder da oposição Leopoldo López tem retratado as manifestações atuais como algo que poderia forçar Maduro a sair do cargo. Era óbvio que não havia, e ainda não há, possibilidade de isso acontecer de forma pacífica. Como o professor da Universidade da Georgia David Smilde argumentou, o governo tem tudo a perder com a violência nas manifestações e a oposição tem algo a ganhar.
No fim de semana passado, Capriles, que estava inicialmente desconfiado de uma estratégia potencialmente violenta para a “mudança de regime”, mudou de ideia. De acordo com a Bloomberg News, ele acusou o governo de “infiltração nos protestos pacíficos para convertê-los em atos de violência e repressão”.
Levou muito tempo para que a oposição aceitasse os resultados das eleições democráticas na Venezuela. Eles tentaram um golpe militar, apoiado pelos EUA em 2002; quando isso fracassou, tentaram derrubar o governo com uma greve do petróleo. Eles perderam uma tentativa de reclamar a presidência em 2004 e protestaram; em seguida, boicotaram as eleições para a Assembleia Nacional, sem motivo, no ano seguinte.
A fracassada tentativa de deslegitimar a eleição presidencial em abril de 2013 foi um retorno a um passado escuro, mas não tão distante. Continua uma incógnita quão longe eles irão para ganhar por outros meios, já que não têm vencido nas urnas, e por quanto tempo terão o apoio de Washington para a mudança de regime na Venezuela.
Publicado em diariodocentrodomundo.com.br/