*Por Marcel Farah
Nosso tempo pede mudanças. Hoje nosso continente é um balaio de experiências de governos novos, não alinhados ao conservadorismo e à exploração imperialista, apoiados pela classe trabalhadora, seguimentos sociais historicamente subalternizados, e, ao mesmo tempo, por parte das burguesias nacionais. Simultaneamente vivemos a retomada do planejamento estatal, o crescimento econômico, transferência de renda, inclusão pelo consumo, participação social, diálogo com movimentos sociais, recuperação da auto-estima, políticas para mulheres, negros/as indígenas, e nos diferenciamos do conservadorismo europeu em relação à crise. Por outro lado, somos um canteiro de obras do capitalismo, com seu belo monte de hidroelétricas, imobiliárias e agronegócio. Falo da América Latina, Caribe, Chaves, Evo, Rafael, Mujica, Dilma e outros governos, seus avanços e suas contradições.
Parte destas mudanças passa pela maior participação popular no destino destes países. Processo inédito para um continente colonizado cuja soberania esteve historicamente à disposição das elites submissas às grandes corporações e países ditos centrais.
Educação política e política educacional
Desde o início do Governo Dilma a Secretaria Geral da Presidência da República, dando continuidade às conquistas do Governo Lula, estabeleceu como meta a consolidação e formalização de uma política e um sistema nacional de participação social. Um dos elementos mais desafiadores desta política refere-se à transformação da cultura política da sociedade brasileira, no sentido de incentivar uma maior organização popular e participação política.
A educação é, sem dúvida, um dos instrumentos de transformação cultural de que o Estado dispõe. Contudo, as próprias políticas educacionais, vistas do ângulo estatal, confundem educação com escola, e esta com a porta de entrada para o mercado de trabalho. Portanto a questão sobre a efetividade das políticas públicas para uma educação para a participação fica incompleta, pois a educação não-formal, da rua, da esquina, da praça do debate público, voltada para a sociedade como um todo e não apenas para o mercado, fica de fora.
As mudanças culturais podem ter na educação um de seus pilares. Contudo esta demanda encontra-se estancada. O Governo Brasileiro pouco avançou em qualificar a educação como um direito. Direito à emancipação, voltada para alimentar a transformação social, e não como um serviço prestado ao cidadão. Apesar do aumento do sistema de educação pública superior nos últimos dez anos, pouco fez para reverter o processo privatista da década de 1990. Hoje o quadro ainda é de predomínio das empresas privadas de educação no ensino superior, sendo que, de 2365 instituições de ensino superior apenas 284 são públicas frente a 2081 empresas privadas (Censo da Educação Superior 2011 – MEC).
Participação política é educação. De um lado, participar de conferências, conselhos, mesas de diálogo, entender como se constroem políticas públicas, entender como funciona o Estado e o orçamento público; de outro lado, participar de movimentos sociais, de associações, organizar-se para reivindicar direitos, mobilizar-se, manifestar-se coletivamente: são momentos de ensino/aprendizado. Para além das tradicionais políticas educacionais o Estado propicia e lida com diversas outras práticas educacionais. Tanto nos espaços de participação quanto na sua relação com a sociedade civil organizada. Isso tudo é educação, em geral, fora da escola.
A prática da participação fortalece valores e re-significa o papel e o conceito do Estado e da Sociedade Civil. Coloca à sociedade o papel de definição política, o papel da construção de políticas públicas, o fazer da gestão pública. Papeis, antes do Estado, agora também da Sociedade. Por tudo isso, a participação é algo que mexe com o Estado e questiona o patriarcado e o autoritarismo desta instituição.
O desafio da educação para a participação vai além das competências de um ministério (Secretaria Geral da Presidência da República), pois envolve todo o Governo, além de estados, municípios, legislativos, judiciários e a própria sociedade. Por isso uma política de educação para a participação deve extrapolar o âmbito de um ministério e até mesmo do Governo Federal. Este é o desafio colocado por uma reforma cultural e educacional – a intersetorialidade.
Criado ainda em 2011, o Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã[1], tem atribuições de articular setores sociais e governamentais em torno de ações de educação popular e cidadã. A partir da experiência da Rede de Educação Cidadã, já existente no Governo Lula, o grande desafio é dar institucionalidade para as diferentes atividades de educação não-formal, em geral fora das escolas, a partir da Sociedade Civil.
Neste sentido, o referido departamento vem se empenhando na construção de um Programa Integrado de Formação para coordenar e articular as diversas, porem dispersas atividades de formação existentes no Governo. É um grande trabalho, mas que aponta para a gradual superação da carência de construção de uma educação para a participação.
Educador educando, educadora educanda
À democratização do Estado é imprescindível a educação baseada no diálogo estado x sociedade. Uma educação que supere o perfil mercadológico da escola, patriarcal da família, concentrador de terras do campo e violento das periferias urbanas. Uma educação que motive as intervenções públicas, a organização coletiva e possibilite a construção de novas relações de sociabilidade, mais justas e igualitárias.
Somente um Estado que se assuma educador e educando, que ensina e aprende no diálogo social para aperfeiçoamento de sua gestão e melhor representar os interesses populares chega aos reais problemas do povo.
Paulo Freire dizia que: "a educação não transforma a sociedade. Ela transforma os indivíduos que são os sujeitos que transformam a sociedade". Nesta perspectiva, a educação popular é um dos instrumentos estratégicos na construção de uma 'revolução moral e intelectual' para a transformação social. E, assim, ela é parte integrante e essencial de qualquer projeto de sociedade que caminhe no sentido da emancipação, que busca agir na mudança de posturas, sentimentos e valores e estruturas e aponta para novas relações sociais.
Brasília 29 de outubro de 2012.
Marcel Farah
[1] Compõe a Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República – Decreto 7688/2012.
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