Fonte da notícia: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
Magistrados
da Associação dos Juízes pela Democracia constatam graves violações de
direitos e cobram medidas urgentes para o fim da violência e a
demarcação definitiva das terras indígenas em MS.
Entre
os dias 27 a 30 de abril, estiveram em Mato Grosso do Sul membros da
Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) em visitas por diversas
aldeias indígenas do estado.
Durante quatro dias
de frio, os Magistrados conheceram algumas das mais conflituosas áreas
indígenas em razão das lutas pela demarcação de terras.
Participaram
da comitiva a Desembargadora Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça
do estado de São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da AJD, além do
atual Presidente, o Juiz de Direito Luis Fernando de Camargo Barros
Vidal, e das Juizas Fernanda Menna Peres, Dora Martins e Fernanda
Carvalho.
Também acompanharam as visitas o
advogado da Justiça Global, Eduardo Baker, e Jônia Rodrigues,
representante da FoodFirst Information and Action Network (Fian), além
da Procuradora do estado de SP, Ana Paula Zommer e da Jornalista
Caroline Bittencourt. Representantes do Conselho Indigenista Missionário
e lideranças indígenas também acompanharam as atividades.
Além
das aldeias, os Juízes também compareceram na II Cuña Aty Guasu (Grande
Reunião das Mulheres) Kaiowá-Guarani de MS, que estava sendo realizada
na aldeia Jaguapirú, em Dourados. Reuniram-se ainda com os Procuradores
da República, Marco Antonio de Almeida e Tiago Luz, do Ministério
Público Federal de MS, visando buscar mais informações sobre a realidade
local.
Kurussú Ambá
Recebidos
com rezas (jeroky), na visita a aldeia Kurussú Ambá, localizada entre
os municípios de Amambai e Coronel Sapucaia, percebeu-se prontamente a
imensa alegria dos indígenas com a presença da caravana. Com crianças
brincando e correndo por todos os cantos a resistência dos povos
indígenas se traduziu naquilo que a Juíza Dora Martins afirmou: “em
Kurussú Ambá você verifica a pobreza e as dificuldades, mas vê um
alento”. A terra vem sendo reivindicada há anos pelos Kaiowá-Guarani mas
ainda não foi demarcada pelo Governo Federal.
Após
a decisão do Tribunal Regional Federal da 3. Região (TRF3) em assegurar
a posse de uma pequena parcela desta terra, ocupada pelos
Kaiowá-Guarani em 2010, as condições de vida das famílias melhoraram,
mas as lideranças ainda manifestam preocupação com a falta da demarcação
definitiva e com as questões de segurança de seus membros.
Os
representantes da AJD ouviram atentamente os relatos sobre o histórico
de violências ocorridos desde janeiro de 2007, com lideranças
assassinadas, baleados, atropelamentos, indígenas presos e casos de
morte de crianças por desnutrição. Fatos que ocorreram durante a
movimentação dos Kaiowá-Guarani pela ocupação de suas terras
tradicionais ainda não demarcadas.
Milho,
mandioca, batata, feijão e arroz foram exibidos com orgulho aos Juízes
em grandes potes cuidadosamente preparados pelos indígenas para a
recepção. Nesta pequena parcela de terra, os Kaiowá-Guarani já conseguem
produzir alguns alimentos, em pequenas roças, mas afirmam que ainda não
possuem condições de produzir o suficiente para alimentar toda a
comunidade por falta de espaço.
A terra que estão
ocupando trata-se de pequena área de “reserva legal”. Mata nativa que os
indígenas se recusam a derrubar para as roças, sendo poucos os espaços
já abertos e que possam ser utilizados para o plantio. A cesta básica
fornecida pelo Governo Federal ainda é fundamental para a comunidade.
O
acesso a educação escolar na aldeia foi muito destacada pelos
Kaiowá-Guarani. Uma escola no local ocupado vem sendo negada pelas
autoridades responsáveis. As crianças indígenas tem de percorrer todos
os dias cerca de 20 Km a pé para chegarem á escola mais próxima
localizada na antiga reserva “Taquaperi”.
Na
opinião do Juiz Luis Fernando de Camargo Barros Vidal, “a situação
verificada em Kurussú Ambá, onde as crianças tem de percorrer, a pé, 20
Km de distância até a escola na Reserva, deve ser revertida com a
instalação urgente de uma escola na própria aldeia de Kurussú Ambá”.
A
impunidade foi um dos destaques nas falas dos Kaiowá-Guarani. Segundo
os indígenas, muitos agressores, como os assassinos da rezadeira Xurite
Lopes e da liderança Ortiz Lopes, mortos em 2007, continuam soltos e a
ameaçar a comunidade. Além disso, quatro indígenas baleados, nos casos
ocorridos em 2007, ainda se encontram com balas alojadas no corpo. Os
projéteis e suas cicatrizes foram sendo mostradas aos Juízes.
Guayviry
Com
as rezas de recepção logo vinham as crianças. Muitas. Visivelmente
compondo a grande maioria dos indígenas na área. Com elas, muitas
mensagens escritas em pedaços de papelão e faixas que seguravam
altivamente e com imensa alegria, mas que relatavam a dor, a violência e
os pedidos urgentes de soluções por parte do Estado brasileiro. A
demarcação da terra e o fim da violência eram as principais
reivindicações.
Recebidos pelos familiares do
cacique Nísio Gomes, liderança religiosa que foi atacada por pistoleiros
em ação ocorrida na área em 2011 e que encontra-se até hoje
desaparecido, os Juízes se emocionaram com o relato de agressões e os
clamores pelo fim dos conflitos.
No local onde
Nísio tombou os presentes fizeram um minuto de silêncio em meio à mata
exuberante que os envolvia. E os relatos de novas ameaças e agressões
continuaram. Para a Juíza Dora Martins “Guayviry foi o símbolo da
exposição do índio à falta de segurança no Brasil”.
Passo Piraju
A
comitiva ainda visitou a aldeia Passo Piraju, em Dourados, outra área
onde ocorreram graves casos de agressões e violências contra os
Kaiowá-Guarani.
Em 40 hectares assegurados pelo
TRF3 em 2008, a pequena comunidade tenta sobreviver com roças cercadas
por imensos canaviais, onde os agrotóxicos utilizados na monocultura têm
produzido graves impactos sobre a saúde dos indígenas.
Foram
relatados os casos de violência contra a comunidade envolvendo
policiais de Dourados, incluindo os relatos sobre um “Rancho Pesqueiro”
instalado contíguo à comunidade às margens do Rio Dourados e cedido à
policiais pelo próprio fazendeiro incidente na terra indígena. Segundo o
cacique Carlito de Oliveira, “acabando a piracema os tiros voltam...
nós já avisamos as autoridades”.
Uma grande escola
vem sendo construída na área. Segundo os indígenas, a escola vai
melhorar muito o atendimento da educação para as inúmeras crianças.
Porém, a questão da saúde ainda carece de melhorias. O atendimento vem
sendo feito a “céu aberto” e os indígenas pedem a construção de um local
adequado.
Aldeias Urbanas
A comitiva de Juízes ainda visitou as aldeias urbanas “Marçal de Souza” e “Água Bonita” localizadas em Campo Grande.
Em
“Água Bonita” ficou claro o descontentamento dos indígenas pelas suas
condições atuais. Segundo estes, há anos reivindicam que o Governo de MS
regularize uma pequena parcela de terra que pertence à aldeia urbana,
mas que não se encontra na posse da comunidade.
Na
aldeia “Marçal de Souza”, os Juízes conheceram o “Ponto de Cultura” da
comunidade além do grande “Quiosque” instalado pela Prefeitura de Campo
Grande para receber os “turistas” e vender artesanatos. Os indígenas da
aldeia, em sua totalidade sendo do povo Terena, reclamam que este espaço
não atende suas expectativas e reivindicações, servindo apenas para os
interesses de atravessadores e da própria prefeitura.
Situação de emergência
As
conclusões retiradas pelas visitas dão conta de que o cenário local é
de graves violações de direitos humanos e descumprimento da constituição
federal brasileira e carecem de medidas emergenciais visando à solução
dos problemas que afetam as comunidades.
Na
opinião da Juíza Fernanda Menna Peres, “não esperava que fossem tantas
condições precárias. A questão da Justiça foi muito destacada pelos
indígenas, pois estes não têm obtido respostas desta mesma Justiça e que
eles respeitam muito. Senti sendo muito cobrada com isso. O que a gente
leva daqui é uma mensagem deles para o Judiciário”. E acrescenta, “foi
uma oportunidade ímpar para entender a gravidade do que significa a PEC
215, pois a demarcação de terras é a mais premente questão e todo o
resto é desdobramento de tudo isso.”
Para a Juíza
Dora Martins, “fiquei todo tempo me checando entre a visão romântica e a
realidade sobre os povos indígenas. As visitas nas aldeias me colocaram
em várias perspectivas deferentes. A Aty Guasú, sem dúvida, foi muito
importante. Ao nos colocarmos como Juízes foi muito desconfortável.
Achei muito gritante a situação toda. Estes povos estão aumentando a sua
população. Temos que sensibilizar o STF para que julgue os processos
rapidamente.”
Segundo a Desembargadora Kenarik
Boujikian, “para mim é muito impactante, muita emoção. A necessidade de
julgamento imediato dos processos em tramitação no Supremo Tribunal
Federal deve ser enfrentada com prioridade além de outras medidas a
cargo da AJD”.
Para Flávio Vicente Machado, do
Conselho Indigenista Missionário, “Trata-se de um momento único com a
presença de Magistrados conhecendo de perto a realidade dos povos
indígenas. A AJD é muito conhecida pela sua imensa respeitabilidade e
inegável importância para a sociedade. Durante esses dias fizeram
história na historia dos Kaiowá e Guarani.”
Além
dos Juízes, a representante da Fian/Brasil, Jônia Rodrigues, destacou
que “as atividades foram muito importantes pela proximidade com as
comunidades, pois estivemos aqui em outros tempos e pudemos verificar
que as violações de direitos continuam ocorrendo”.
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