terça-feira, 20 de novembro de 2012

Baixa representação negra no parlamento é retrato da estrutura racista do Brasil


Reforma Política é o caminho para a ampliação da diversidade racial na política

A cultura e o folclore são meus
Mas os livros foi você quem escreveu
Quem garante que palmares se entregou
Quem garante que Zumbi você matou
Perseguidos sem direitos nem escolas
Como podiam registrar as suas glórias
Nossa memória foi contada por vocês
E é julgada verdadeira como a própria lei
Por isso temos registrados em toda história
Uma mísera parte de nossas vitórias
É por isso que não temos sopa na colher
E sim anjinhos pra dizer que o lado mal é o candomblé...

Os versos da música Palmares 1999, da banda Natiruts, ilustram com fidelidade a situação de discriminação racial e opressão que a população negra ainda vive no Brasil.

E no cenário político, essa desigualdade se mantém. Se – segundo dados do último censo do IBGE - os negros e negras representam quase 51% da população brasileira, a participação no poder está aquém da sua quantidade e da sua importância. Considerando os parlamentares em exercício no Congresso Nacional, apenas 8% dos Deputados Federais são negros (43 dos 513). No Senado, a discrepância é ainda mais gritante, sendo apenas dois negros dentre os 81 que compõem a bancada.

Para o publicitário e ativista da questão racial, Paulo Rogério Nunes, essa baixa representação é um retrato da estrutura racista existente no Brasil. “Das chamadas democracias multiétnicas que existem no mundo somos uma das mais excludentes em relação aos grupos não-brancos”, garante.

Paulo Rogério, que atua como Diretor-Executivo do Instituto Mídia Étnica, atribui esse cenário de discriminação a uma série de fatores construídos histórico-socialmente no Brasil. Segundo ele, “o fruto da escravidão racial, de uma política de imigração equivocada e a ausência de ações afirmativas no pós-abolição resultaram nesse quadro vergonhoso que temos hoje”.

Um dos 45 negros no Congresso Nacional, o Deputado Federal Luiz Alberto (PT-BA) afirma que a questão racial, apesar da sua importância, “não tem muito espaço no Congresso e nem é visto pela maioria dos parlamentares como um problema”. O seminário A Sub-representação de Negras e Negros no Parlamento Brasileiro, realizado no último dia 6, na Câmara dos Deputados, comprovou a afirmação de Luiz Alberto, já que apenas três parlamentares (todos negros) participaram do evento.

Durante o seminário, a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Barrios, ressaltou que historicamente não foi determinado aos negros a atividade política, o que gera conseqüências ainda hoje. “O racismo estabelece para os diferentes grupos os papéis que eles têm de exercer na sociedade. No caso da política, infelizmente, esse papel ainda é definido para o homem branco heterossexual. É fundamental pensar em mecanismos para quebrar essa dominação”, defende.

Partidos continuam negligenciando a questão racial

Um dos elementos que, certamente, ocasionam a baixa representatividade negra na política é a incompreensão dos partidos políticos de que a questão racial é estruturante no Brasil. Para Paulo Rogério, as ações adotadas pelos partidos ainda são tímidas. “Não basta criar um setorial ali, uma secretaria acolá. É preciso pensar na dimensão da inclusão racial em todas as linhas programáticas dos partidos”, afirma.



O que o ativista entende como pouco, a criação de secretarias dentro dos partidos, ainda é algo distante da política brasileira. Apenas dez dos trinta partidos legalmente constituídos junto ao TSE possuem secretarias ou setoriais dedicadas à questão racial. Dessa forma, a agenda da igualdade racial, muitas vezes, é tratada como algo marginal, de segundo plano.

Para a representante do Movimento Negro Unificado, Jacira da Silva, é preciso “avançar nesses debates dentro dos partidos, tendo ações afirmativas consolidadas, para que homens e mulheres negras tenham espaço real para concorrer em pé de igualdade nos processos eleitorais”.

Reforma Política é o caminho

Tanto representantes da sociedade civil quanto parlamentares, que têm a igualdade racial como uma de suas bandeiras centrais, entendem que é fundamental uma reforma profunda no sistema político brasileiro para que se garanta a diversidade racial.

Para o membro da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, José Moroni, “é necessária uma reforma política que interfira no poder econômico, que é quem comanda a política atualmente. Não é à toa que as 400 campanhas que mais receberam dinheiro estão no Parlamento”.

Paulo Rogério concorda e acredita que o financiamento de campanhas por empresas privadas é um fator que exclui os negros do processo político. Por isso, para ele, dentro de uma reforma política é preciso “ter financiamento público de campanha para evitar a diferença gritante entre os que conseguem captar recursos por meio de suas redes de influências e os candidatos de origem popular, em sua maioria negros”.

Outra ação possível é a adoção de cotas raciais para garantir maior presença de negros no parlamento. É o que prevê a PEC 116/11, de autoria do deputado Luiz Alberto. O projeto estabelece a reserva de vagas para parlamentares negros na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas por cinco legislaturas, que podem ser prorrogáveis por mais cinco por intermédio de uma lei complementar.

No texto da justificativa da PEC, que tramita na Câmara dos Deputados, o autor da proposta diz que o objetivo é “dar um choque de democracia nas casas legislativas e que esse choque recaia justamente sobre a questão decisiva em todas as discussões histórica e teoricamente mais relevantes sobre a democracia no Brasil, que é a das relações entre equidade racial e equidade social, econômica, cultural e política”.

Para Jacira da Silva, do MNU, se aprovada, a PEC representará um avanço importante para garantir a aprovação de propostas relativas à questão racial. “É importante que haja o autorreconhecimento dos parlamentares negros. É a diversidade brasileira no parlamento. Contudo, essa representação deve se refletir em ações legislativas voltadas à inclusão e ao empoderamento da população negra brasileira”, ressalta.

Em mais um 20 de novembro – Dia da Consciência Negra –, mas não só nesta data, fica evidente a necessidade da sociedade brasileira e dos agentes políticos entenderem que a questão racial é central em qualquer processo de mudança no país e que o Brasil só alcançará uma democracia real quando houver políticas que promovam a diversidade da representação racial nas instâncias de poder.

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