Entre os dias 8 e 9 de dezembro foi realizado na cidade de Goiás (GO), o Encontro de Companheiras e Companheiros da Caminhada – Dom Tomás Balduino 90 anos. O evento reuniu centenas de pessoas de várias partes do país, que fizeram parte desses anos de caminhada e de luta de Dom Tomás, em defesa dos povos tradicionais e dos camponeses e camponesas. Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, também participou do Encontro.
Dom Tomás foi saudado com apresentações e histórias de cada participante, que lembraram o período difícil da ditadura militar, das expulsões da terra por grandes fazendeiros e do trabalho do bispo na organização do povo em resistência.
“Com dom Tomás aprendemos que devemos deixar de ser indiferentes”, frisou Carlos Rodrigues Brandão. Antropólogo, psicólogo e pesquisador, que desde a chegada de Dom Tomás à Diocese de Goiás, o acompanhou. Uma grande e completa pesquisa que fez sobre a realidade da Diocese serviram de base para o planejamento pastoral posterior. Ele relembrou histórias que passaram juntos, e situações complicadas também, como uma vez quando estavam a caminho da aldeia dos Tapirapé, no extremo nordeste do Mato Grosso, Dom Tomás pilotando seu aviãozinho vermelho, após o ter abastecido, teve um pneu furado ao pousar, o que quase fez com que o avião explodisse. Segundo Carlos, a habilidade do piloto Dom Tomás salvou os dois nesse momento.
Atuação da diocese de Goiás junto aos camponeses e a influência de Dom Tomás
Dom Tomás assumiu a diocese de Goiás em 1967, em plena ditadura. Animado pelo sopro de esperança provocado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, fez de tudo para adequar a diocese a esse novo modelo. Ele reafirmou, dessa forma, a sua opção pelos pobres e pelo povo de Deus, o que marcou profundamente uma diocese que vivia em meio a latifundiários e à opressão do coronelismo no centro oeste brasileiro.
Irmã Nadir, dominicana e que trabalhou junto a Dom Tomás em projetos de educação na diocese, lembrou muito emocionada dos anos de dedicação dele e das pessoas que acompanharam o seu trabalho e que já não estão mais entre nós, como a também dominicana, irmã Revi.
Doutor Antônio, médico que assumiu o hospital Pio X, na cidade de Ceres, em Goiás, na década de 1970, a convite de Dom Tomás, emocionou a todos e todas presentes ao relatar sua experiência de trabalho na área de saúde junto ao visitar aos Tapirapé, para onde era levado por Dom Tomás em sua aviãozinho. “Aquilo era uma sociedade perfeita... isso me influenciou muito, ver aquele povo vivendo em harmonia e sem os grandes problemas que enfrentamos em nossa sociedade, como o egoísmo e o individualismo”. Dr. Antônio também relatou sua chegada ao hospital de Ceres, que, até então, possuía uma clara divisão entre a “ala dos pobres” e a “ala dos ricos”. Extremamente revoltado com essa realidade, Dom Tomás convidou um casal de médicos que ele conhecia e sabia de seus posicionamentos ideológicos, Gil e Albinéia Plaza, que convidaram, também, o amigo Antônio, e os três foram trabalhar no hospital, com o objetivo de mudar essa estrutura. Enfrentaram a ira dos fazendeiros ricos, mas conseguiram desenvolver um grande trabalho na região.
Dom Tomás, a CPT e o registro dos conflitos
Dom Tomás foi figura importante na criação de duas pastorais focadas no trabalho com os indígenas e com os trabalhadores rurais. São elas o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A história da atuação de Dom Tomás e dessas duas pastorais se confundem. A CPT, desde o seu nascimento, tinha como objetivo dar voz àqueles que nunca eram ouvidos, denunciando a violência empreendida no campo brasileiro e assessorando os trabalhadores e trabalhadoras na luta por seus direitos. Dessa forma, em seus primeiros anos de atuação, a CPT começou a registrar os diversos conflitos que aconteciam e as violências que os trabalhadores, indígenas, sindicalistas e demais lutadores e lutadoras sofriam.
Dom Tomás sempre acompanhou os conflitos e esteve junto à CPT nos momentos de denúncia e de cobrança do governo por ações que garantissem os direitos do povo do campo. Esse trabalho da Pastoral resultou no relatório anual Conflitos no Campo Brasil, produzido há 27 anos e cujos dados são referência nacional e internacional, no que tange a conflitos agrários e violências no meio rural brasileiro.
Antônio Canuto, secretário da coordenação nacional da CPT e membro fundador da Pastoral, entregou a Dom Tomás a homenagem da CPT, que deu o seu nome ao Setor de Documentação da organização. A partir desse momento, o setor de Documentação da CPT passou a se chamar “Centro de Documentação Dom Tomás Balduino”. Extremamente emocionado, Canuto falou que não haveria homenagem e presente mais justo a oferecer a Dom Tomás nesse momento.
O presente maior: a esperança e o exemplo de Dom Pedro Casaldáliga
Dom Tomás foi presenteado, também, com a presença de seu amigo e companheiro de luta por anos, Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, Mato Grosso. “Não quero desmerecer os demais presentes que recebi, mas meu maior presente foi ter o Pedro aqui nesse momento”, assim Dom Tomás resumiu a sua emoção ao encontrar seu grande amigo, que o chama carinhosamente de padrinho.
Em um momento difícil, em que Dom Pedro está convivendo com ameaças de morte por causa de sua atuação junto ao Xavante, de Marãiwatsédé, no Mato Grosso, sua presença profética anima e inspira a todos e todas para continuarem na luta. “Tomás, padrinho, sua atuação superou a dicotomia que não sabe juntar a vida com a fé... A luta continua meu amigo, e não podemos nunca perder a esperança”, disse dom Pedro.
Os participantes do Encontro e demais pessoas da comunidade, presentes nas homenagens, aprovaram uma Carta de Solidariedade a Dom Pedro e à prelazia de São Félix, e recolheram centenas de assinaturas em apoio à causa indígena e à atuação de Dom Pedro.
O Encontro foi encerrado na manhã de domingo, com uma celebração eucarística no Mosteiro Nossa Senhora da Assunção e com um grande almoço no Centro Diocesano de Pastoral.
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