segunda-feira, 18 de junho de 2012

DONA MARIA MAIS SEU JOÃO

                Dona Maria mais seu João moram numa vila na periferia de uma grande cidade. Vieram de longe, do interior, faz décadas, em busca de emprego, salário, casa e comida. Aos domingos, dona Maria faz aquelas comidas gostosas para a ninhada de filhos, enquanto seu João providencia a caipirinha. E assim vivem alegres e felizes.
Dia desses, tempos atrás, falaram na igreja de uma tal Rio+20, que iria acontecer no Rio de Janeiro em junho de 2012, com a presença de centenas de autoridades  e até de presidentes. E, junto, iria acontecer a Cúpula dos Povos, um grande acampamento com gente e povo de todo Brasil e do mundo inteiro. Lá iriam conversar sobre meio ambiente, sobre os cuidados com a natureza e de como o desenvolvimento estava afetando a vida das pessoas e do planeta.
                Bem que dona Maria tinha se dado conta que de uns tempos para cá a chuva tinha apertado, as enchentes eram maiores e mais frequentes na vila e nas redondezas e os parentes do interior falavam muito de uma seca braba, maior que sempre. Algo de grave e de errado estava acontecendo.
                Um dia, uns jovens educadores e educadoras convidaram para uma oficina. Seu João logo pensou que iriam levá-lo para consertar o fuquinha velho de guerra na oficina do seu Marcos, que comprara com muito esforço e vivia estragando. Mas não era. Explicaram que oficina era uma roda de conversa que se fazia sobre um assunto e era organizada pela Rede de Educação Cidadã (RECID). Ia ser no salão da comunidade e o assunto era Educação Popular e Bem Viver.
                Dona Maria e seu João se interessaram. O salão estava todo enfeitado, as cadeiras colocadas em círculo. No começo todos se abraçaram, cantaram, alguém leu uma poesia bonita. Dona Maria e seu João falaram para todos, os demais presentes também falaram, sobre como era sua vida, os problemas que estavam enfrentando para educar os filhos, a chuva e as enchentes que estavam ameaçando as casas, os problemas de saúde e educação do bairro, a pouca participação da comunidade  na busca de solução dos problemas que eram de todos.
                Os jovens educadores explicaram que educação popular era para conscientizar as pessoas, principalmente os pobres e os trabalhadores. Não era para aprender a fazer contas ou escrever uma redação. Era um jeito de entender as causas dos problemas e da realidade e de como era importante conversar com os outros moradores para juntos, todos unidos, achar as soluções. A idéia e a prática de educação popular tinham sido muito estudados e praticados por um pernambucano chamado Paulo Freire.
                Assim, a educação popular ajudava a entender as coisas que aconteciam no Brasil e nos outros países, do porquê elas aconteciam, o que se devia fazer para consertar os erros e desmandos, melhorar a vida das pessoas e do planeta e, como num sonho, mudar o mundo. Era preciso conhecer a realidade, ter muito diálogo e conversa, trabalhar sempre com os outros, fazer lutas e construir organizações do povo de forma coletiva.
                Dona Maria e seu João descobriram também que o Bem Viver é uma idéia colocada na Constituição da Bolívia, depois de muita briga das comunidades indígenas dos Andes. Na proposta do Bem Viver, o desenvolvimento deve ser um processo de mudanças qualitativas. Assim, não contam apenas os bens materiais, o que se coloca de objetos dentro de casa ou o dinheiro que se tem no banco, mas sim outros elementos como o conhecimento, o reconhecimento social e cultural, os códigos éticos e espirituais de conduta, a relação com a natureza, os valores humanos. Isto é Bem Viver. Como disse um grande intelectual e pensador, Eric Hobsbawn, “o objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI”. 
                Numa sociedade do Bem Viver, portanto, a economia deve ser pautada pela convivência solidária, sem miséria, sem discriminações e preconceitos, garantindo um mínimo de coisas necessárias para todos. Bem Viver é a afirmação de direitos e garantias sociais, econômicas e ambientais: direito à vida digna, à saúde, alimentação e nutrição, água potável, moradia, saneamento ambiental, educação, trabalho, emprego, cultura física, vestuário, etc. Então, o Bem Viver da raiz indígena é o do cuidado, do homem integrado ao meio ambiente e à natureza como bem coletivo, não apenas servindo-se deles, e implica em solidariedade, partilha, em querer o bem dos outros. Como diz o índio aymara Simon Yampara, da Bolívia: “Nos Andes, tudo tem vida. Nos Andes, convive-se em interação com os diversos mundos, como o animal, o vegetal, o da terra, o das deidades naturais, com o mundo das pessoas, em que ninguém é mais nem menos importante. Trata-se de considerar a natureza como sujeito não como objeto”.
                Dona Maria e seu João ficaram maravilhados. Dona Maria, que sempre cuidava das plantas de casa com todo carinho, passou a cuidar também das árvores da rua e da vila. Falou com os vizinhos para sempre separarem o lixo, os vidros e o papel dos restos de comida, e a evitarem ao máximo o uso do plástico. Seu João começou a usar o fuquinha só na precisão e até comprou uma bicicleta para o dia a dia dele e dos filhos. E convenceram os filhos a também irem numa oficina da Rede de Educação Cidadã, onde conversaram sobre os problemas dos jovens, sobre a violência e as drogas que estão crescendo, de como os jovens podem ajudar na construção de uma sociedade do Bem Viver e de como a educação popular podia ser uma ferramenta de apoio.
                Agora, Dona Maria e seu João estão se preparando para viajar para o Rio de Janeiro, aquela cidade grande e bonita. Vão participar da Cúpula dos Povos e de uma Roda de Conversa que a Rede de Educação Cidadã vai fazer dia 19 de junho, sobre o tema EDUCAÇÃO POPULAR E BEM VIVER, com a participação de Marcelo Barros e Maria Emília Pacheco e apresentação de experiências da RECID. E eles querem falar de sua vila, de como estão se organizando e lutando pelos direitos de todos e todas e de como o Bem Viver faz parte de sua comunidade.
                Dona Maria e seu João dizem que o mundo vai mudar, vai ter mais justiça e dignidade para todos os homens e mulheres, quando muitas pessoas como eles vão trabalhar com a pedagogia da educação popular e vão viver nas suas comunidades e no seu país com o pensamento e os valores do Bem Viver.
Equipe de Articulação Política do Coletivo Nacional da RECID
Redação final: Selvino Heck
Em cinco de junho de dois mil e doze

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