Dona
Maria mais seu João moram numa vila na periferia de uma grande cidade. Vieram de longe, do interior, faz décadas, em busca de
emprego, salário, casa e comida. Aos domingos, dona Maria faz aquelas comidas
gostosas para a ninhada de filhos, enquanto seu João providencia a caipirinha.
E assim vivem alegres e felizes.
Dia desses,
tempos atrás, falaram na igreja de uma tal Rio+20, que iria acontecer no Rio de
Janeiro em junho de 2012, com a presença de centenas de autoridades e até de presidentes. E, junto, iria acontecer
a Cúpula dos Povos, um grande acampamento com gente e povo de todo Brasil e do
mundo inteiro. Lá iriam conversar sobre meio ambiente, sobre os cuidados com a
natureza e de como o desenvolvimento estava afetando a vida das pessoas e do
planeta.
Bem
que dona Maria tinha se dado conta que de uns tempos para cá a chuva tinha
apertado, as enchentes eram maiores e mais frequentes na vila e nas redondezas
e os parentes do interior falavam muito de uma seca braba, maior que sempre.
Algo de grave e de errado estava acontecendo.
Um
dia, uns jovens educadores e educadoras convidaram para uma oficina. Seu João
logo pensou que iriam levá-lo para consertar o fuquinha velho de guerra na
oficina do seu Marcos, que comprara com muito esforço e vivia estragando. Mas
não era. Explicaram que oficina era uma roda de conversa que se fazia sobre um
assunto e era organizada pela Rede de Educação Cidadã (RECID). Ia ser no salão
da comunidade e o assunto era Educação Popular e Bem Viver.
Dona
Maria e seu João se interessaram. O salão estava todo enfeitado, as cadeiras
colocadas em círculo. No começo todos se abraçaram, cantaram, alguém leu uma
poesia bonita. Dona Maria e seu João falaram para todos, os demais presentes
também falaram, sobre como era sua vida, os problemas que estavam enfrentando
para educar os filhos, a chuva e as enchentes que estavam ameaçando as casas,
os problemas de saúde e educação do bairro, a pouca participação da comunidade na busca de solução dos problemas que eram de
todos.
Os
jovens educadores explicaram que educação popular era para conscientizar as
pessoas, principalmente os pobres e os trabalhadores. Não era para aprender a
fazer contas ou escrever uma redação. Era um jeito de entender as causas dos
problemas e da realidade e de como era importante conversar com os outros
moradores para juntos, todos unidos, achar as soluções. A idéia e a prática de
educação popular tinham sido muito estudados e praticados por um pernambucano
chamado Paulo Freire.
Assim,
a educação popular ajudava a entender as coisas que aconteciam no Brasil e nos
outros países, do porquê elas aconteciam, o que se devia fazer para consertar
os erros e desmandos, melhorar a vida das pessoas e do planeta e, como num
sonho, mudar o mundo. Era preciso conhecer a realidade, ter muito diálogo e
conversa, trabalhar sempre com os outros, fazer lutas e construir organizações
do povo de forma coletiva.
Dona
Maria e seu João descobriram também que o Bem Viver é uma idéia colocada na
Constituição da Bolívia, depois de muita briga das comunidades indígenas dos
Andes. Na proposta do Bem Viver, o desenvolvimento deve ser um processo de
mudanças qualitativas. Assim, não contam apenas os bens materiais, o que se
coloca de objetos dentro de casa ou o dinheiro que se tem no banco, mas sim
outros elementos como o conhecimento, o reconhecimento social e cultural, os
códigos éticos e espirituais de conduta, a relação com a natureza, os valores
humanos. Isto é Bem Viver. Como disse um grande intelectual e pensador, Eric
Hobsbawn, “o objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de
toda população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida
a sociedades boas, humanas e justas. Essa é a prioridade política mais importante
do século XXI”.
Numa
sociedade do Bem Viver, portanto, a economia deve ser pautada pela convivência
solidária, sem miséria, sem discriminações e preconceitos, garantindo um mínimo
de coisas necessárias para todos. Bem Viver é a afirmação de direitos e
garantias sociais, econômicas e ambientais: direito à vida digna, à saúde,
alimentação e nutrição, água potável, moradia, saneamento ambiental, educação,
trabalho, emprego, cultura física, vestuário, etc. Então, o Bem Viver da raiz
indígena é o do cuidado, do homem integrado ao meio ambiente e à natureza como
bem coletivo, não apenas servindo-se deles, e implica em solidariedade,
partilha, em querer o bem dos outros. Como diz o índio aymara Simon Yampara, da
Bolívia: “Nos Andes, tudo tem vida. Nos Andes, convive-se em interação com os
diversos mundos, como o animal, o vegetal, o da terra, o das deidades naturais,
com o mundo das pessoas, em que ninguém é mais nem menos importante. Trata-se
de considerar a natureza como sujeito não como objeto”.
Dona
Maria e seu João ficaram maravilhados. Dona Maria, que sempre cuidava das
plantas de casa com todo carinho, passou a cuidar também das árvores da rua e
da vila. Falou com os vizinhos para sempre separarem o lixo, os vidros e o papel
dos restos de comida, e a evitarem ao máximo o uso do plástico. Seu João
começou a usar o fuquinha só na precisão e até comprou uma bicicleta para o dia
a dia dele e dos filhos. E convenceram os filhos a também irem numa oficina da
Rede de Educação Cidadã, onde conversaram sobre os problemas dos jovens, sobre
a violência e as drogas que estão crescendo, de como os jovens podem ajudar na
construção de uma sociedade do Bem Viver e de como a educação popular podia ser
uma ferramenta de apoio.
Agora,
Dona Maria e seu João estão se preparando para viajar para o Rio de Janeiro,
aquela cidade grande e bonita. Vão participar da Cúpula dos Povos e de uma Roda
de Conversa que a Rede de Educação Cidadã vai fazer dia 19 de junho, sobre o
tema EDUCAÇÃO POPULAR E BEM VIVER, com a participação de Marcelo Barros e Maria
Emília Pacheco e apresentação de experiências da RECID. E eles querem falar de
sua vila, de como estão se organizando e lutando pelos direitos de todos e
todas e de como o Bem Viver faz parte de sua comunidade.
Dona
Maria e seu João dizem que o mundo vai mudar, vai ter mais justiça e dignidade
para todos os homens e mulheres, quando muitas pessoas como eles vão trabalhar
com a pedagogia da educação popular e vão viver nas suas comunidades e no seu
país com o pensamento e os valores do Bem Viver.
Equipe de Articulação
Política do Coletivo Nacional da RECID
Redação final:
Selvino Heck
Em cinco de junho de
dois mil e doze
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