Igor Ojeda
Na
terça-feira, 28 de fevereiro, os criadores do blog Caligraffiti
receberam um e-mail que os deixou surpresos. O remetente era o
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão
responsável por coletar os pagamentos referentes a direitos autorais e
repassá-los aos autores de músicas em todo o país. A mensagem informava
aos blogueiros que eles teriam de pagar pelos vídeos do Youtube e Vimeo
postados no site.
Blog sobre design, arte,
tecnologia e cultura, o Caligraffiti recebe entre 1 mil e 1.500 acessos
diários, mas não tem fins comerciais e seus colaboradores não recebem
nenhum tipo de salário ou apoio financeiro. Assim mesmo, o Ecad quer
cobrar do site R$ 352,59 mensais. Uno de Oliveira, um dos responsáveis
pelo conteúdo da página, pediu informações sobre tal cobrança ao próprio
Ecad. Recebeu a resposta de que o Caligraffiti havia sido classificado
na categoria de webcasting, ou seja, sites que transmitem programas
originários da própria internet.
Ainda na semana
passada, orientado por um advogado, Uno decidiu tirar o blog do ar
enquanto a situação não fosse resolvida. Na sexta-feira, 2 de março, no
entanto, o site voltou à ativa com um desabafo do rapaz. No texto, ele
explica aos leitores o motivo de o Caligraffiti ter ficado fora do ar e
critica as leis brasileiras sobre direitos autorais: “E pasmem, a nossa
legislação atual compactua e protege o Ecad a fazer esse tipo de
cobrança. Não temos saída, a não ser colocar a boca no mundo e cobrar
leis mais flexíveis quando o assunto é internet.”
O
Ecad tem a seu favor a Lei de Direitos Autorais (lei 9.610/98), que é
objeto de ampla discussão nacional, por conta do conteúdo defasado
frente às novas demandas do mundo digital. A legislação obrigaria toda
pessoa física ou jurídica que transmite músicas publicamente a efetuar o
recolhimento dos direitos autorais junto ao órgão. Na visão do Ecad, o
conceito de transmissão estabelecido na lei 9.610/98 incluiria a
internet.
Pablo Ortellado, professor da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each-USP),
contesta. Segundo ele, o direito do Ecad de defender a execução pública
na rede é juridicamente controverso, pois a reprodução artística nesse
tipo de meio de comunicação seria sujeita a outro tipo de direito
autoral. “Eles tanto sabem que é controverso que cobram um valor
relativamente pequeno”, afirma.
Em um post no
Twitter, Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da
Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e
diretor do Creative Commons Brasil, classificou a cobrança como ilegal.
“Quem faz o streaming é o Youtube e não o blog que incorporou o vídeo.
Como se isso não bastasse, a lei brasileira NÃO autoriza o Ecad a fazer
cobrança por webcasting. A questão está no judiciário há anos e o Ecad
sabe disso. Haja má-fé”, protestou.
Para
Ortellado, ainda que o órgão tivesse esse direito, seria controversa a
faculdade de enviar cobranças a determinados sites, pois estes estariam
incluídos nas exceções estabelecidas pela lei, que lista os casos em que
se permite reproduzir uma obrar sem ter que pagar por direitos autorais
ou obter autorização do autor. “No ano passado, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) interpretou que tais limitações da aplicação da lei,
previstas em seu artigo 46, são apenas exemplos. Ou seja, em uma
interpretação mais flexível, esses exemplos podem ser expandidos e
incluírem sites sem fins lucrativos”, explica o professor da USP.
No
texto publicado no dia 2, Uno lembra que o Caligraffiti não é uma
empresa nem possui fluxo de caixa; o projeto é bancado pelos próprios
colaboradores, que “acreditam em poder contribuir com a evolução do
design nacional”. “Conversamos com muita gente – blogueiros, advogados
especializados e formadores de opinião – e todos concordam que esse tipo
de atitude inibiria a blogosfera brasileira, que utiliza muito material
compartilhado de grandes canais de vídeo online. Por opiniões unânimes
decidimos recolocar o site no ar e encarar a briga, caso realmente eles
queiram isso”, explica Uno em seu post.
O texto
publicado no Caligraffiti termina com a conclusão de que o blog não pode
se abster de compartilhar o que achar interessante. “É contra a
liberdade de expressão e totalmente contra alguns dos mais importantes
princípios do Caligraffiti: divulgação, compartilhamento e discussão de
assuntos relativos ao design, arte e cultura.”
Nesta quarta-feira (7), a hashtag “Ecad” chegou ao topo dos Trending Topics do Twitter no Brasil.
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