*Por Roberta Traspadini
Estamos
prestes a completar três meses de greve na maior parte das
universidades públicas brasileiras. Para quem acreditava que esta
categoria estava “morta em vida”, paralisada no seu produtivismo
individual e mercantil, eis um bom exemplo da aparência fraudadora da
essência política.
A greve tem colocado em
movimento não só a histórica luta por uma educação de qualidade, mas
essencialmente a necessidade de formação política e o diálogo com a
sociedade sobre os processos educativos, para além do plano
reivindicativo.
Reivindicar melhorias de
condições de trabalho implica uma relação direta de respeito e adesão à
luta dos técnicos administrativos e alunos. Isto exige debater, com
profundidade política e acadêmica, sobre a educação que não teremos,
caso não nos movimentemos juntos, contra as atuais políticas de
desenvolvimento projetadas para o nosso País.
Algumas
das características chaves que nos colocam em greve, como categoria,
são: salas de aula lotadas; carga horaria de trabalho em sala de aula
excessiva; produtivismo exacerbado, sendo números e formulários a única
forma padrão de ser acadêmico de referência CAPES; hierarquização
quantitativa do plano de carreira com perdas expressivas para as novas
gerações de professores públicos federais – tanto do ensino médio como
universitário; hospitais e restaurantes universitários terceirizados e
sucateados; ausência de moradia estudantil; salários incompatíveis com o
sentido de dedicação exclusiva, se retiradas as gratificações;
hierarquização da remuneração pelos títulos e não pelo saber e pela
história de dedicação à educação pública de qualidade.
Para
os que vivemos o ambiente universitário atual e lutamos para que ele
seja mais democrático, participativo e popular, a luta pela educação
pública como direito social e dever do Estado, nos exige pensar duas
coisas básicas:
1) o processo histórico de
degradação da carreira e do sentido de se optar politicamente por ser
professor/professora e de se fazer a opção pela educação pública, frente
aos ditamos da lógica privada geral, no atual modelo de
desenvolvimento dependente brasileiro;
2) o
processo de debate com a sociedade sobre os modelos de desenvolvimento e
a forma de se tratar as questões chaves manifestas pelos projetos em
disputa tanto na educação, quanto na saúde, na questão agrária, entre
outras.
Os aspectos positivos da greve estão
relacionados ao convívio politizador das e entre as categorias, tanto no
interior das universidades, como na relação com a sociedade e demais
categorias em greve.
A greve nos abriu uma
possibilidade na construção político-educativa: a de nos reconhecermos,
como educadores, por opção política. Foi o reforço de nossa re-ação como
protagonistas do processo que desejamos construir, a partir da luta que
realizamos contra aqueles que prestam um desserviço à Nação, ordenados e
orquestrados pelo capital, contra o trabalho, tanto na produção do
conhecimento, quanto na produção de mercadorias atreladas a ele.
O
saldo positivo da greve não está no êxito das conquistas nas
negociações com o Governo, que desde o início se mostrou intransigente
na sua lógica de não se dispor a efetivar um processo compatível com o
que reivindicamos, no que tange à garantia da qualidade do trabalho do
servidor público federal.
Parte do saldo positivo
da greve está no movimento coletivo que se abre, a partir dela, mas
vai além. A capacidade de romper com a lógica sistêmica e instituir uma
construção coletiva em que os saberes se juntem na multiplicidade dos
fazeres coletivos no interior da universidade e para grande parte da
sociedade.
É assim como a luta pelos 10% para a
educação, pautada por várias categorias, vai sendo assumida, como
disputa pelo orçamento previsto e executado com supremacia pelo capital,
na atual política educacional do Governo brasileiro.
Uma
nova juventude está em movimento em todo o Brasil. Este grupo assumirá a
batuta da educação superior nos próximos 15 anos, como educando e
educador. E já começou o exercício coletivo de formação política, na
luta, sobre o que se tem e o que fazer para efetivar o que se quer.
O
que está em xeque é o modelo de desenvolvimento brasileiro. A questão
da educação, aberta pelas várias greves, se soma à questão agrária, à
questão do trabalho, à questão da saúde, enfim, o projeto de
desenvolvimento que temos, não queremos e gritamos, com eco coletivo, o
que necessitamos realizar juntos, dentro e fora da ordem.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ ES.
Nenhum comentário:
Postar um comentário