Por Leilane MarinhoDa pagina O ECO
Ao
todo, 9 milhões de reais destinados à conservação de um dos biomas mais
ameaçados no planeta, o Cerrado, poderão escorrer pelo ralo no
Tocantins. O recurso é destinado ao Projeto Cerrado Sustentável, do
Fundo Mundial para o Meio Ambiente, financiado pelo próprio Fundo e pelo
Banco Mundial, que prevê a criação 250 mil hectares de Unidades de
Conservação de proteção integral até 2013. A verba está disponível, mas a
morosidade do poder público e adversários políticos do projeto ameaçam a
conservação de porções ideais do bioma para a biodiversidade.
Em
2005, estudos apontaram 3 áreas como prioritárias para a conservação no
estado: Serra da Cangalha, com 16,8 mil hectares, Interflúvio
Tocantins-Paranã, com 105,4 mil hectares, e Vale do Rio Palmeiras, de 20
mil hectares. O objetivo do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, da
sigla em inglês Global Environment Facility) é criar novas Unidades de
Conservação nessas áreas, mas, além da lentidão usual da burocracia
brasileira, outro fator também atrasa o projeto: aliados políticos do
atual governo estão fazendo oposição às unidades. Na linha de frente, a
senadora Kátia Abreu e seu filho, o deputado federal Irajá Abreu,
pressionam o governador Siqueira Campos para deter o processo,
especialmente nas áreas do Interflúvio e do Vale do Rio Palmeiras.
Conhecedor
das áreas, o ornitólogo Túlio Dornas está preocupado com o prazo e o
contexto político. Ele diz que a falta de agilidade é fruto do
desinteresse do poder público. “As pessoas que estão trabalhando no
processo reclamam da falta de apoio do governo estadual”, relata Dornas.
Procurado
pelo ((o))eco, o secretário de meio ambiente e desenvolvimento
sustentável do Estado, Divaldo Rezende, disse que o governo do estado
está “consciente do compromisso assumido com o Banco Mundial” e acredita
que não haverá empecilho para que os projetos sejam concluídos.
Entretanto, das 3 Unidades de Conservação previstas, a única que está
com o processo adiantado é a de Serra da Cangalha, que será criada com o
objetivo de preservar sítios naturais raros.
Mãe e filho questionam UCs
Em
abril, o deputado Irajá Abreu encaminhou ofício ao governador
solicitando que “não sejam criadas novas Unidades de Conservação
Ambiental estaduais e federais no Estado”. No documento, ele justifica
que o Tocantins já possui 50% das suas áreas protegidas, apoiado por uma
tabela de números anexada, que demonstra esse cálculo através da
inclusão de áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente.
Porém, falha em dizer que Unidades de Conservação de proteção integral
cumprem exigências mais rigorosas de conservação.
No mesmo mês,
Kátia Abreu enviou requerimento à ministra do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira, solicitando o cronograma de instalação das futuras unidades de
conservação federais e a descrição detalhada dos perímetros de suas
áreas. O ICMbio tem 5 projetos de Unidades de Conservação para o
Tocantins, sendo uma delas o Vale do Rio Palmeiras, que também é uma
proposta estadual. No mesmo texto, a senadora argumentou que as unidades
prejudicariam o agronegócio, pois parte das terras agricultáveis do
estado seriam atingidas.
Procurado pelo ((o))eco, Irajá de Abreu,
através de nota, reiterou o raciocínio e deu um número diferente.
Segundo ele, a posição que defendeu junto ao governador é decorrência
dos 61% (e não os 50% colocados no ofício) de terras do Tocantins já
serem protegidas pela legislação ambiental, “razão pela qual não há
necessidade de se criar novas áreas, ainda mais sem a previsão
orçamentária para indenizar as eventuais desapropriações”.
Neste
ponto, Irajá tem o apoio de Divaldo Rezende. “Ele não está errado. Como
vamos criar UCs sem orçamento pra comprar as terras?”, disse o
secretário. Entretanto, Rezende acredita que ainda há tempo hábil para
conciliar a criação das novas Unidades de Conservação com o prazo dos
financiamentos internacionais, mesmo que o orçamento não seja aprovado
este ano.
O ameaçado periquito tiriba de pfrimeri (pyhrrua
pfrimeri) encontra refúgio na vegetação ainda preservada das Matas
Secas. (Foto: Tulio Dornas)
Região não serve para o agronegócio
O
total de áreas de proteção integral no Tocantins é bem diferente da
conta do deputado Irajá. A parcela de áreas estaduais é de 290 mil
hectares, ou 1,05% da área do estado, englobando os parques de Jalapão,
Cantão e Lajeado, além do Monumento Natural de Árvores Fossilizadas. As
áreas de proteção integral federais somam outros 2 milhões de hectares,
ou 7,2% do Tocantins e incluem o Parque Nacional do Araguaia, Parque
Nacional Nascentes do Rio Parnaíba e a Estação Ecológica Serra Geral.
Dessa forma, o total de áreas de proteção integral do estado é de 8,25%.
A adição de 140 mil hectares desses novos parques, equivalente a 0,5%
do Tocantins, elevaria esse número para 8,75%.
De acordo com o
biólogo Túlio Dornas, os argumentos de Kátia Abreu também não procedem.
Tanto no Vale do Rio Palmeiras quanto em Paranã as terras são
inadequadas para atividades agrícolas. No Vale, o solo tem alto teor de
calcário, ruim para plantações.
Em Paranã, além das fortes secas,
uma formação rochosa a mais de 1.000 metros de altitude, caracterizada
de Cerrado Rupestre, também torna a região imprópria. Porém, a região é
rica em manganês, o que excita outros interesses. “Existem pessoas
sondando manganês em Paranã. Com o estabelecimento da ferrovia
Leste-Oeste, há o interesse por instalar indústrias dessa matéria prima,
já que teria escoamento pelo Maranhão e Bahia”, conta Dornas.
Em
maio, fiscais do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins)
apreenderam pela segunda vez este ano duas retroescavadeiras extraindo
manganês irregularmente na Serra do Mocambo. Silemon Bento França,
fiscal do órgão, conta que as extrações sem licença são frequentes. “É
comum termos esse tipo de denúncia aqui, a serra já está toda cavada”,
declara.
Prioridade esquecida
No Vale do
Rio Palmeiras e no Interflúvio Tocantins-Paranã, encontra-se os últimos
remanescentes no Brasil da Floresta Estacional Decidual, mais conhecida
como Matas Secas. Nesse tipo de vegetação, as árvores podem atingir uma
altura superior a 25 metros. Suas copas são abrigo de vários pássaros,
entre eles, o ameaçado periquito tiriba de pfrimeri (Pyhrrua pfrimeri).
Estima-se, sua população nativa caiu em 50 anos para um quinto da
original, devido ao desmatamento.
“Essa espécie assim como outras
associadas às Matas Secas não são protegidas por nenhuma Unidade de
Conservação no Tocantins”, conta Tulio Dornas, que estuda o pfrimeri com
um grupo de pesquisadores das universidades federais do Tocantins e
Goiás, em parceria com a SAVE- Brasil e apoio da Fundação O Boticário.
Corredor ecológico
Formado
pelo triângulo compreendido pelos rios Paranã e Tocantins, o
Interflúvio faz fronteira com o Goiás e destaca-se por ser uma área
bastante singular, com grande possibilidade de se conectar com o Parque
Nacional Chapada dos Veadeiros e outras Unidades de Conservação, criando
um mosaico protegido viável.
Dentro de uma perspectiva
ecorregional, a UC Interflúvio Tocantins – Paranã seria uma área chave
para a formação do Corredor Paranã- Pirineus, o único totalmente no
Cerrado. Com ele, o vale do rio Paranã seria conectado à região de
Pirenópolis e as nascentes dos rios das Almas e Corumbá. “Essa questão é
importante, porque boa parte das áreas protegidas do Cerrado é pequena e
isolada demais”, ressalta Fábio Olmos.
“O Vale do Palmeiras já
foi muito impactado pela pecuária e pela construção de hidrelétricas. É
um habitat frágil do ponto de vista de vulnerabilidade à erosão e
mudanças climáticas”, conta Fabio Olmos, biólogo e colunista do
((o))eco. Olmos participou de pesquisas que avaliaram a biodiversidade
da região sudeste do Tocantins. Ele conta que a única unidade de
conservação de proteção integral das Matas Secas é o Parque Estadual
Terra Ronca, em Goiás, e, como essa vegetação já foi quase extinta, as
novas Unidades de Conservação aumentariam as chances de evitar seu
desaparecimento.
Especialista em ecologia de aves da Universidade
Federal do Tocantins (UFT), Renato Pinheiro participou de consultorias
para a criação das Unidades de Conservação. Ele ressalta que, através do
Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade
Biológica Brasileira (Probio/MMA), o Ministério do Meio Ambiente
classificou a região sudeste do Tocantins como prioridade “alta e muito
alta”. No entanto, nem mesmo a consideração do ministério colocou as
Unidades de Conservação entre as ações prioritárias do governo
tocantinense.
“As razões para essa classificação do MMA são
baseadas nos diversos atributos naturais da região, como formações de
valor cênico, abundância de recursos hídricos e uma elevada diversidade
biológica”, explica Renato, completando: “Somado a isso, há ainda no
projeto das duas Unidades de Conservação a presença de áreas com
dimensões suficientes para a manutenção de populações em longo prazo e
condições adequadas para manutenção de Cerrado”.
Paranã está na lista dos que mais desmataram
Em
março deste ano, o Ministério do Meio Ambiente divulgou lista com os
municípios que mais desmataram o Cerrado. Paranã, município onde fica
Interflúvio Tocantins-Paranã, aparecem entre os 9 citados no Tocantins.
Nas
Avaliações Ecológica Rápidas (AERs), há relatos de que nesta área
encontra-se árvores raras com maior número de espécies de importância
econômica, como o angico (Anadenanthera macrocarpa), ipê-amarelo
(Tabebia alba) e o ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa), taipoca (Tabebuia
roseo-alba), aroeira (Miracrodruon urundeuva), jatobá (Hymenaea
stigonocarpa) e o timbó (Magonia pubescens).
Segundo Olmos, as
florestas que sobraram continuam sendo exploradas pela madeira.
“Aroeiras costumavam ser comuns mas foram exterminadas. O gado solto nas
florestas que restam impede o recrutamento das árvores”, diz.
Outra
ameaça apontada pelos estudos complementares das Unidades de
Conservação foram as extensas derrubadas de árvores para produção de
carvão. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, os baixos preços das propriedades têm favorecido a
aquisição de terras apenas para a instalação de carvoarias.
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