Por José Coutinho Júnior
Da Página do MSTA
jornada de lutas pela Reforma Agrária, organizada no mês de abril pelo
MST, foi das mais intensas dos últimos anos, conseguiu avançar na
implementação de políticas públicas. No entanto, o governo não deu uma
resposta em relação a medidas estruturais para garantir a criação de
novos assentamentos.
“Não avançou a questão do orçamento para a
obtenção de terras (que viabiliza as desapropriações), do endividamento
dos assentados e da criação de um novo crédito agrícola para as famílias
assentadas. Esses pontos são estruturais e ficaram para ser tratados
com a presidenta Dilma”, afirma Valdir Misnerovicz, da Coordenação
Nacional do MST.
Segundo ele, a falta de recursos no orçamento é
um dos entraves “fundamentais” na negociação com o governo. Um exemplo é
a norma que impede a desapropriação de latifúndios acima de R$100 mil.
“Isso acabou inviabilizando 90% dos processos que já estavam em
andamento para desapropriação e aquisição. Isso precisa ser revisto. É
preciso decisão, vontade política, recursos e mecanismos para poder
avançar”, cobra Valdir.
Leia os balanços da jornadaMST seguirá mobilizado até governo cumprir promessas
MST mantém ocupação de seis superintendências do Incra
MST mobiliza 20 estados pela Reforma Agrária e contra impunidade
Protestos em 17 estados por Reforma Agrária
Veja fotos das manifestações do MST
Veja vídeos da jornada
Na jornada, foram realizados protestos em 20 estados e no Distrito
Federal, com ocupações de terras, protestos em prédios públicos,
trancamento de rodovias e marchas.
Em entrevista à
Página do MST,
ele avalia as mobilizações realizadas na jornada, o processo de
negociação com o governo, elencando as conquistas e as reivindicações
que não avançaram.
Qual a avaliação das lutas realizadas na jornada?A
jornada foi, sem dúvida nenhuma, uma das melhores que tivemos nos
últimos anos, pela quantidade e diversidade de ações, pelo caráter
dessas manifestações, tanto a nível local como em Brasília, pela
repercussão, pela quantidade de pessoas que mobilizamos e pelas
articulações que conseguimos fazer com a sociedade e forças políticas
organizadas.
Em agosto do ano passado, o governo firmou
uma série de compromissos com o MST. Até agora, quase nada saiu do
papel. O governo demonstrou disposição em efetivar os compromissos?Nós
nos mobilizamos e exercemos pressão. O governo precisa dar uma
resposta. Depois da mobilização, o governo se recolhe e os compromissos
acabam não sendo cumpridos na íntegra. Mas cada jornada que realizamos,
cada pressão que fazemos força a discussão da pauta da Reforma Agrária e
faz com que o governo tome encaminhamentos. Nessa jornada, boa parte
das nossas demandas foram discutidas. Algumas avançaram
significativamente, outras continuam em negociação.
O que avançou no processo de negociação? Avançamos
em vários programas na área da saúde. Foi afirmado compromisso de criar
programas de atendimento às famílias nos assentamentos e de fortalecer a
campanha contra os agrotóxicos.
Na habitação, os valores de
financiamento passaram de R$ 15 mil para R$ 25 mil e vão começar a ser
gerenciados pela Caixa Econômica Federal, mudando normas de
funcionamento.
Quanto à educação, avançamos na compra da
produção dos assentamentos para a merenda escolar, da alfabetização de
jovens e adultos, do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera), cujos recursos vão ser liberados, além de viabilizar bolsas
para estudantes e professores, permitindo a retomada de nossas parcerias
com as universidades.
Também foi criado um novo curso de alfabetização de jovens e adultos, que há muito tempo não estava tendo.
O que não avançou?Não
avançou a questão do orçamento para a obtenção de terras (que viabiliza
as desapropriações), do endividamento dos assentados e da criação de um
novo crédito agrícola para as famílias assentadas. Esses pontos são
estruturais e ficaram para ser tratados com a presidenta Dilma. Vai ser
criado um grupo de trabalho para tratar desses pontos, compostos por
membros do Ministério do Planejamento, do Desenvolvimento Agrário,
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e movimentos
para que haja avanços nesses pontos estruturais.
As questões que não avançaram nas negociações foram só por causa de falta de recursos?Nós
temos vários problemas, mas a falta de recursos é um dos fundamentais.
Além disso, as normas que o governo criam dificultam o processo
estrutural. O exemplo concreto é o governo ter estabelecido um teto de
R$100 mil para a desapropriação de cada latifúndio. Isso acabou
inviabilizando 90% dos processos que já estavam em andamento para
desapropriação e aquisição. Isso precisa ser revisto. É preciso decisão,
vontade política, recursos e mecanismos para poder avançar. Se todos
esses aspectos não estiverem presentes, nada avança na Reforma Agrária.
Como ficou o corte de 70% dos recursos do Incra para custeio?A
informação que temos é que parte dos recursos de assistência técnica e
outras despesas correntes de manutenção da máquina já tinham sido
liberados na semana passada, durante a mobilização. A outra parte será
liberada no próximo período.
Mas a nossa demanda é por
suplementação de recursos, e esse é um dos pontos que iremos tratar com a
presidenta. O corte foi apenas na questão administrativa. Todas as
informações dão conta de que a receita vem aumentando a sua arrecadação.
Então vamos pressionar o governo para que libere mais recursos,
principalmente para a obtenção de terras, que é o ponto mais crítico e
mais importante nesse processo de negociação.
O governo vai apresentar um plano com metas para a criação de assentamentos? Essa
é a grande demanda nossa. É um terma que vamos discutir com a
presidenta. Demandamos um plano que contemple todas as famílias em todos
os estados. Esperamos que nesses 30 dias o grupo de trabalho do governo
possa apresentar um plano que dê conta de atender no mínimo o
assentamento das 100 mil famílias acampadas do MST.
Há algum compromisso de criação de assentamentos para este ano?O
que percebemos é que tanto o Incra como o novo ministro do MDA tem
clareza de que o grande problema é a parte da obtenção de terras, que é a
parte mais tensa, conflituosa, mas é a parte fundamental. Não haverá
avanços estruturais se o governo se limitar a lançar uma série de
programas para atender o povo da Reforma Agrária, mas não desapropriar e
criar assentamentos novos. A criação de assentamentos é a base que
justifica a existência de outros programas. E essa é a parte que está
mais complicada no governo. Foi assim nos últimos dois anos do governo
Lula, e continua no governo Dilma. Isso precisa sofrer uma inversão.
Isso foi colocado na mesa, e esperamos que o governo possa aproveitar o
momento da jornada. Nossa tarefa é continuar a pressão, porque cada vez
que a gente pressiona, força o governo a fazer. A nossa tarefa é
mobilizar e pressionar.
O que foi acordado em relação às agroindústrias nos assentamentos?Essa
questão foi consolidada. O governo informou que as tratativas em torno
do programa com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Incra estariam
concluídas. Agora é começar a operacionalizar.
O Movimento obteve alguma resposta sobre a audiência com a presidenta? O
indicativo é que a audiência aconteça até 17 de maio, mas ainda não tem
uma data confirmada. A audiência é importante porque há questões no
governo que é a Dilma que tem que resolver. Alguns compromissos foram
assumidos conosco, mas precisamos apresentar a nossa avaliação e mostrar
para a presidenta que não está sendo cumprido o que ela determinou.
Também queremos aprofundar a discussão da necessidade e importância da
Reforma Agrária nesse momento.
A audiência é importante para poder fazer esse debate da questão estrutural da Reforma Agrária.
Qual o posicionamento do movimento em relação à recente aprovação do Código Florestal?Nós
fazemos parte da campanha “Veta Dilma”. A nossa tarefa é trabalhar para
que a presidenta vete as mudanças no Código, que tem pontos
vergonhosos, e levar a conhecimento da sociedade brasileira quem foram
os deputados ruralistas que forçaram essas alterações. Acreditamos que a
presidenta não vai permitir que o Código fique do jeito que saiu do
Congresso, até porque ela já tinha garantido que não permitirá nenhum
tipo de anistia aos desmatadores, que foi aprovada.