Obras das duas hidrelétricas construídas no Rio Madeira, em Rondônia, estão paralisadas; 43 mil operários fazem greve
Por Bianca Pyl, Daniel Santini e Carlos Juliano Barros, enviado a Rondônia
Apresentado pela presidente Dilma Rousseff no começo deste mês como um "novo paradigma" nas relações entre trabalhadores, empresários e governo o Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção não provocou até agora mudanças significativas no setor. Problemas graves persistem, mesmo nas grandes obras, para as quais o texto foi prioritariamente pensado.
Assembleia de trabalhadores de Jirau realizada
nesta segunda-feira. Foto: Carlos Juliano Barros
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A situação é especialmente delicada nos canteiros das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, duas das principais obras do país, nos quais cerca de 43 mil operários fazem greve - 18 mil em Jirau e 25 mil em Santo Antônio, de acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Fenatracop). Em ambos, a mobilização tem como principal reivindicação aumento salarial e de benefícios.
No canteiro de obras de Jirau, onde em 2009 foram libertadas 38 pessoas em condições análogas às de escravo, além de cobrarem reajustes salariais, os trabalhadores denunciam abusos por parte das forças policiais que garantem a continuidade da obra. Desde março de 2011, quando a insatisfação generalizada explodiu em uma revolta com a destruição de parte das instalações, tropas ocupam o local, exibindo armamento pesado como escopetas e espingardas calibre 12. Um operário de Jirau ouvido pela Repórter Brasil conta que, por ter esquecido o crachá, foi agredido na portaria do canteiro de obras. "Um policial me pegou pela camisa e o outro já chegou metendo a mão no meu peito", diz, afirmando ter sido machucado pelas agressões que se seguiram à abordagem inicial. "Tem uma foto minha escarrando sangue. Registrei e fui para a delegacia fazer um Boletim de Ocorrência", relata.
Em Santo Antônio, onde, em junho de 2010, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) registrou 196 infrações trabalhistas no canteiro do empreendimento liderado pelas empresas que compõem o consórcio Santo Antônio Energia, os responsáveis se desdobram para evitar que as reclamações e protestos afetem a imagem do grupo de grandes empresas. Ao mesmo tempo em que procuram administrar a paralisação, as construtoras tentam credenciar o empreendimento para a venda de créditos de carbono.
Os problemas se agravam, no entanto, e ganham repercussão. Frente às seguidas denúncias recebidas, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Serviço Pastoral do Migrante (SPM) e a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho escolheram como tema para um debate nesta semana na Igreja Catedral de Porto Velho as "Violações de direitos humanos e trabalhistas nas Usinas do Madeira."
Representatividade
Apesar de ter sido anunciado como um acordo que mudaria as relações trabalhistas na construção civil em todo o Brasil, o compromisso foi assumido apenas por nove empresas, que puderam optar por segui-lo por obra e não como um nova política permanente. Hoje, o acordo abrange dez obras (veja tabela). Isso em um contexto em que paralisações acontecem de Norte a Sul. Segundo a Fenatracop, 138,5 mil trabalhadores do setor entraram em greve recentemente. Muitos permanecem. A maioria das mobilizações, 75%, afetou as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde, de acordo com a federação, "salários e condições de trabalho são piores e a informalidade é a regra".
Boleto bancário utilizado para cobrar vítima
de aliciamento. Foto: Bianca Pyl
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Soma-se a greve de 43 mil em andamento em Rondônia, paralisações em pelo menos mais duas obras de construtoras que acabaram assinando o acordo: na da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará (com a participação de 2 mil trabalhadores), e na do Estádio Castelão, no Ceará (2,5 mil). Entre os principais objetivos do compromisso, que foi assinado em 14 de fevereiro após uma negociação que envolveu 19 reuniões em 9 meses, está a ampliação da capacidade de representatividade dos trabalhadores nas grandes obras no país.
Além da presença permanente de representantes sindicais para a "resolução imediata de questões envolvendo patrões e empregados, favorecendo a produtividade e o bom andamento das obras" - conforme comunicado da Secretaria-Geral da Presidência da República, o acordo prevê a criação de uma Mesa Nacional Tripartite Permanente para a Melhoria das Condições de Trabalho, reunindo autoridades, empresários e trabalhadores. "O consenso na formulação do Compromisso é um importante passo na construção de uma relação menos conflituosa entre empregadores e trabalhadores. O documento prevê a representação sindical no local de trabalho, que além de representar o atendimento a um pleito histórico dos trabalhadores, certamente será um importante instrumento na prevenção de conflitos", defende o ministro do Trabalho, Paulo Roberto Pinto, em entrevista por e-mail à Repórter Brasil.
A estratégia não tem, porém, dado os resultados esperados. Em Jirau, a tentativa de ampliar o diálogo fracassou e os próprios representantes dos sindicatos que tentaram intermediar as negociações acabaram vaiados pelos trabalhadores. Na segunda-feira, dia 26 de março, a assembleia em que era discutida a continuidade ou não da greve foi encerrada com operários atirando objetos contra o carro de som.
Compromissos
Entre os compromissos assumidos pelas empresas está a adoção de medidas preventivas para garantir o cumprimento de direitos que já estão previstos na legislação. A principal é em relação à contratação de trabalhadores. Para evitar o aliciamento de trabalhadores por intermediários nem sempre bem intencionados, os gatos, prática comum em projetos de grande porte que mobilizam grandes contingentes de migrantes, o documento prevê que as empresas devem "sempre que possível" tentar utilizar o Sistema Nacional de Emprego (Sine), criado e gerenciado pelo governo federal. Apesar de ampliar a possibilidade de fiscalização e controle de infrações por parte do Estado, a mera adoção de tal método não é por si só uma garantia, já que há casos de aliciadores que se aproveitam da própria estrutura oficial, conforme reportagem publicada em dezembro de 2010.
As subcontratadas das construtoras nas obras também devem seguir as diretrizes adotadas. Além de medidas já previstas na legislação, que devem ser cumpridas pelas empresas com ou sem acordos específicos, o compromisso prevê ainda que as empresas devem custear deslocamento, alojamento, alimentação e atendimento médico de urgência e emergência e assumir todos os gastos da etapa inicial de seleção, bem como ações para formação e qualificação dos empregados. Também estão previstas medidas relativas à segurança do trabalhador, como a criação de comissões permanentes nas obras.
O acordo é visto com reservas mesmo pelos sindicalistas que participaram da negociação. O fato de as construtoras poderem escolher a adesão por obra é um dos principais problemas, de acordo com representantes de trabalhadores. "A empresa vai aceitar o acordo onde interessa para ela, em obras com muitos trabalhadores", disse Admilson Lucio de Oliveira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Nas Indústrias da Construção (CNTIC), uma das signatárias. Ele diz que vê a abertura ao diálogo por parte das construtoras como algo positivo, apesar da crítica.
Para o vice-presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores na Construção e da Madeira para América Latina, Edison Bernardes, o acordo peca por não avançar em pautas importantes para os trabalhadores da categoria, como o piso salarial nacional e por proporcionar ganhos aos trabalhadores por adesão e não de maneira generalizada. "Com certeza, há avanços importantes para o setor, em alguns pontos que há dificuldades para controlar, como o aliciamento de mão de obra", diz.
Auditores fiscais também criticam a adesão por obra. "É preciso uma uniformidade na aplicação do Direito do Trabalho, algo que teria que ser nacional não só pontual”, analisa Luiz Alfredo Scienza, auditor fiscal há 28 anos, que trabalha no projeto de Construção Civil da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul (SRTE/RS). “Parece-me que [o pacto] visa que a obra não pare e para isso são concedidos alguns direitos”, aponta.
Ele acredita que a iniciativa de se estabelecer um acordo e um diálogo permanente entre as diferentes partes envolvidas é importante, mas da maneira como foi feito, o Compromisso afirma a “falta de estrutura do próprio Estado em fiscalizar essas obras”. E defende que a área de Saúde e Segurança do Trabalho dentro da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) – vinculada ao MTE – precisa de melhor estrutura e pessoal. No Rio Grande do Sul, segundo o auditor, de 35 auditores fiscais trabalhando neste setor em 1985, hoje são cerca de 20. "É preciso reconhecer a importância estratégica deste setor”, ressalta, apontando a importância de prevenir acidentes de trabalho e mortes.
Histórico
Um dos principais articuladores do acordo estabelecido é José Lopez Feijóo, assessor da secretaria geral da Presidência da República, hoje encabeçada pelo ministro Gilberto Carvalho. Segundo ele, foram os seguidos problemas nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira nos últimos anos que fizeram o governo se preocupar em articular um acordo voltado para as grandes obras. "Há enormes investimentos em obras de energia e infraestrutura, e mesmo em infraestrutura social como o [programa] Minha Casa, Minha Vida. O que aconteceu em Santo Antônio e Jirau nos chamou a atenção para a necessidade de um acordo", diz, referindo-se à revolta de trabalhadores em março de 2011.
De acordo com ele, o compromisso tem, conforme a presidente Dilma anunciou, potencial para gerar mudanças significativas. "Serão cumpridos direitos constitucionais que hoje praticamente ninguém exerce. No acordo fica claro, por exemplo, que o trabalhador não pode ser demitido se recusar a exercer algo que coloca em risco saúde. Na medida em que adere a um acordo, a empresa assume um compromisso público que vai ter que cumprir. E o sindicato passa a contar com mais um instrumento que não tinha anteriormente".
José Lopez participou da primeira comissão de fábrica da montadora Ford, em São Bernardo do Campo, na década de 1980, e pretende aproveitar a experiência de sindicalista para formular e articular outros pactos nacionais em diferentes categorias. Entre os setores em que o governo estuda fazer novos acordos estão os dos bancários, petroleiros e aeroportuários. O Compromisso da Construção não foi o primeiro acordo do tipo formulado pelo Governo Federal. Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a presidência apresentou o Compromisso para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, que, assim como o atual, foi anunciado como uma mudança de paradigma, mas que poucas mudanças efetivas provocou no setor.
"Não diria que ele serviu de inspiração, cada um a seu tempo. O texto atual é diferente pela própria natureza diferente do setor, mas é evidente que a experiência de negociação naquele momento pesou. Tudo acaba contribuindo", completa o assessor da Secretaria Geral da Presidência. Assim como no acordo atual, o fim da intermediação nas contratações foi apresentado na ocasião como um dos principais avanços no compromisso da cana.
Ele garante que as empresas que assinaram o Compromisso da Construção serão fiscalizadas e caso não cumpram o que foi acordado, serão expulsas. No acordo da cana, mesmo empresas que entraram para a "lista suja" do trabalho escravo após terem assinado o acordo continuaram como signatárias. É o caso da Cosan, que foi incluída no cadastro de empregadores flagrados reduzindo pessoas à condições análogas às de escravos, mas conseguiu sair graças a uma decisão judicial favorável, seguida de um acordo com o governo federal para que a Advocacia Geral da União não recorresse da decisão.
*Fonte Jornal Brasil de Fato
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