segunda-feira, 30 de abril de 2012

Misnerovicz: Falta de orçamento é o maior problema para avanço da Reforma Agrária


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST



A jornada de lutas pela Reforma Agrária, organizada no mês de abril pelo MST, foi das mais intensas dos últimos anos, conseguiu avançar na implementação de políticas públicas. No entanto, o governo não deu uma resposta em relação a medidas estruturais para garantir a criação de novos assentamentos.

“Não avançou a questão do orçamento para a obtenção de terras (que viabiliza as desapropriações), do endividamento dos assentados e da criação de um novo crédito agrícola para as famílias assentadas. Esses pontos são estruturais e ficaram para ser tratados com a presidenta Dilma”, afirma Valdir Misnerovicz, da Coordenação Nacional do MST.

Segundo ele, a falta de recursos no orçamento é um dos entraves “fundamentais” na negociação com o governo. Um exemplo é a norma que impede a desapropriação de latifúndios acima de R$100 mil. “Isso acabou inviabilizando 90% dos processos que já estavam em andamento para desapropriação e aquisição. Isso precisa ser revisto. É preciso decisão, vontade política, recursos e mecanismos para poder avançar”, cobra Valdir.
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Na jornada, foram realizados protestos em 20 estados e no Distrito Federal, com ocupações de terras, protestos em prédios públicos, trancamento de rodovias e marchas.

Em entrevista à Página do MST, ele avalia as mobilizações realizadas na jornada, o processo de negociação com o governo, elencando as conquistas e as reivindicações que não avançaram.

Qual a avaliação das lutas realizadas na jornada?

A jornada foi, sem dúvida nenhuma, uma das melhores que tivemos nos últimos anos, pela quantidade e diversidade de ações, pelo caráter dessas manifestações, tanto a nível local como em Brasília, pela repercussão, pela quantidade de pessoas que mobilizamos e pelas articulações que conseguimos fazer com a sociedade e forças políticas organizadas.

Em agosto do ano passado, o governo firmou uma série de compromissos com o MST. Até agora, quase nada saiu do papel. O governo demonstrou disposição em efetivar os compromissos?

Nós nos mobilizamos e exercemos pressão. O governo precisa dar uma resposta. Depois da mobilização, o governo se recolhe e os compromissos acabam não sendo cumpridos na íntegra. Mas cada jornada que realizamos, cada pressão que fazemos força a discussão da pauta da Reforma Agrária e faz com que o governo tome encaminhamentos. Nessa jornada, boa parte das nossas demandas foram discutidas. Algumas avançaram significativamente, outras continuam em negociação.

O que avançou no processo de negociação?

Avançamos em vários programas na área da saúde. Foi afirmado compromisso de criar programas de atendimento às famílias nos assentamentos e de fortalecer a campanha contra os agrotóxicos.

Na habitação, os valores de financiamento passaram de R$ 15 mil para R$ 25 mil  e vão começar a ser gerenciados pela Caixa Econômica Federal, mudando normas de funcionamento.

Quanto à educação, avançamos na compra da produção dos assentamentos para a merenda escolar, da alfabetização de jovens e adultos, do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), cujos recursos vão ser liberados, além de viabilizar bolsas para estudantes e professores, permitindo a retomada de nossas parcerias com as universidades.

Também foi criado um novo curso de alfabetização de jovens e adultos, que há muito tempo não estava tendo.

O que não avançou?

Não avançou a questão do orçamento para a obtenção de terras (que viabiliza as desapropriações), do endividamento dos assentados e da criação de um novo crédito agrícola para as famílias assentadas. Esses pontos são estruturais e ficaram para ser tratados com a presidenta Dilma. Vai ser criado um grupo de trabalho para tratar desses pontos, compostos por membros do Ministério do Planejamento, do Desenvolvimento Agrário, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e movimentos para que haja avanços nesses pontos estruturais.

As questões que não avançaram nas negociações foram só por  causa de falta de recursos?

Nós temos vários problemas, mas a falta de recursos é um dos fundamentais. Além disso, as normas que o governo criam dificultam o processo estrutural. O exemplo concreto é o governo ter estabelecido um teto de R$100 mil  para a desapropriação de cada latifúndio. Isso acabou inviabilizando 90% dos processos que já estavam em andamento para desapropriação e aquisição. Isso precisa ser revisto. É preciso decisão, vontade política, recursos e mecanismos para poder avançar. Se todos esses aspectos não estiverem presentes, nada avança na Reforma Agrária. 

Como ficou o corte de 70% dos recursos do Incra para custeio?

A informação que temos é que parte dos recursos de assistência técnica e outras despesas correntes de manutenção da máquina já tinham sido liberados na semana passada, durante a mobilização. A outra parte será liberada no próximo período.

Mas a nossa demanda é por suplementação de recursos, e esse é um dos pontos que iremos tratar com a presidenta. O corte foi apenas na questão administrativa. Todas as informações dão conta de que a receita vem aumentando a sua arrecadação. Então vamos pressionar o governo para que libere mais recursos, principalmente para a obtenção de terras, que é o ponto mais crítico e mais importante nesse processo de negociação.

O governo vai apresentar um plano com metas para a criação de assentamentos?

Essa é a grande demanda nossa. É um terma que vamos discutir com a presidenta. Demandamos um plano que contemple todas as famílias em todos os estados. Esperamos que nesses 30 dias o grupo de trabalho do governo possa apresentar um plano que dê conta de atender no mínimo o assentamento das 100 mil famílias acampadas  do MST.

Há algum compromisso de criação de assentamentos para este ano?

O que percebemos é que tanto o Incra como o novo ministro do MDA tem clareza de que o grande problema é a parte da obtenção de terras, que é a parte mais tensa, conflituosa, mas é a parte fundamental. Não haverá avanços estruturais se o governo se limitar a lançar uma série de programas para atender o povo da Reforma Agrária, mas não desapropriar e criar assentamentos novos. A criação de assentamentos é a base que justifica a existência de outros programas. E essa é a parte que está mais complicada no governo. Foi assim nos últimos dois anos do governo Lula, e continua no governo Dilma. Isso precisa sofrer uma inversão. Isso foi colocado na mesa, e esperamos que o governo possa aproveitar o momento da jornada. Nossa tarefa é continuar a  pressão, porque cada vez que a gente pressiona, força o governo a fazer. A nossa tarefa é mobilizar e pressionar.

O que foi acordado em relação às agroindústrias nos assentamentos?

Essa questão foi consolidada. O governo informou que as tratativas em torno do programa com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Incra estariam concluídas. Agora é começar a operacionalizar.

O Movimento obteve alguma resposta sobre a audiência com a presidenta?

O indicativo é que a audiência aconteça até 17 de maio, mas ainda não tem uma data confirmada. A audiência é importante porque há questões no governo que é a Dilma que tem que resolver. Alguns compromissos foram assumidos conosco, mas precisamos apresentar a nossa avaliação e mostrar para a presidenta que não está sendo cumprido o que ela determinou. Também queremos aprofundar a discussão da necessidade e importância da Reforma Agrária nesse momento. A audiência é importante para poder fazer esse debate da questão estrutural da Reforma Agrária.

Qual o posicionamento do movimento em relação à recente aprovação do Código Florestal?

Nós fazemos parte da campanha “Veta Dilma”. A nossa tarefa é trabalhar para que a presidenta vete as mudanças no Código, que tem pontos vergonhosos, e levar a conhecimento da sociedade brasileira quem foram os deputados ruralistas que forçaram essas alterações. Acreditamos que a presidenta não vai permitir que o Código fique do jeito que saiu do Congresso, até porque ela já tinha garantido que não permitirá nenhum tipo de anistia aos desmatadores, que foi aprovada.

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